segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Assalto ao Santa Maria, 45 anos depois

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Um navio, 350 tripulantes, 600 passageiros e 24 homens para os controlar. Sob o nome de código “Operação Dulcineia” e com a chefia de Henrique Galvão, um pequeno grupo de 24 homens tomou e manteve o controlo do paquete português Santa Maria, entre 22.1.1961 e 3.2.1961, data em que este ancorou no Recife (Brasil), numa acção política de luta contra o regime vigente em Portugal.

A bordo do navio encontravam-se diversos estarrejenses, entre tripulação e passageiros. Mas o mais curioso é o contar-se entre os 24 homens que tomaram o Santa Maria o nome de um salreense, Camilo Tavares Mortágua, então um jovem de 27 anos. Henrique Galvão refere-se de forma elogiosa a Camilo Mortágua nos seus livros “O Assalto ao Santa Maria” e “Da minha luta contra o salazarismo e o comunismo em Portugal”. Aliás, dos 24 companheiros destaca 8, incluindo ele próprio e o “Comando” que passou a infância em Salreu.

UM ASSALTO QUE FICOU NA HISTÓRIA

Dos 24 homens mal armados nem todos eram portugueses. Estavam sob as ordens Henrique Galvão, militar dissidente do regime português que fora deputado, entre outros cargos. Escrevera já diversos livros, nos quais se destaca o seu conhecimento da África portuguesa, e encontrava-se exilado na Venezuela desde 1959, depois de ter estado preso em Portugal. O seu livro «O assalto ao Santa Maria» é dedicado a 10 companheiros, entre eles Camilo Tavares, o mesmo Mortágua a quem chama de “Comando” (p. 171).

O caso do Santa Maria fez história não só por ser uma acção política bem sucedida contra o regime vigente em Portugal, mas também porque introduziu a prática de sequestrar navios e aviões como acto político. Os 24 elementos do DRIL (Direcção Revolucionária Ibérica de Libertação) entraram no transatlântico em diferentes escalas do mesmo, tomaram o seu controlo e pretendiam dirigi-lo para África. No entanto, no quinto dia do desvio um avião norte-americano detectou o Santa Maria, e o regime português foi informado. Aos Estados Unidos estava no entanto vedada a possibilidade de tomar o paquete, uma vez que face ao direito internacional este era considerado como parte integrante do território português. A aventura terminou quando o navio aportou no Brasil, onde desembarcaram passageiros e tripulantes e foi concedido asilo político aos 24 elementos do DRIL. Do sequestro resultaram a morte de um tripulante e dois feridos graves.

OUTROS ESTARREJENSES A BORDO

Embora não tenham relação com o assalto, viajavam no Santa Maria alguns estarrejenses, entre passageiros e tripulação. São eles:

Passageiros - Teófilo Bastos, natural da Peneda de Avanca (família dos Pistolas), e sua mulher, Amália Gomes da Luz, natural de Salreu; viviam em Salreu e foram caseiros na Quinta do Valdujo, trabalhando nos moinhos ali existentes. Viajavam no navio em segunda classe. Era também passageiro o alfaiate Cunha, de Salreu.

Tripulação - Comandante da Marinha Mercante Manuel Valente Pinho, era Imediato do Santa Maria e viveu em Pardilhó, na casa junto à Senhora dos Remédios demolida há anos.

FILME «SANTA LIBERDADE»

Filme de Margarita Ledo Andión, falado em castelhano e rodado em vários países: Espanha (Galiza), Portugal, Brasil, Venezuela e França. Tem a duração de 87 min., foi rodado entre 2002 e 2004 e conta a história do assalto ao Paquete Santa Maria, em 1961, por um grupo de 24 elementos do DRIL.

É exibido este sábado (dia 14.1.2006) no Cine-teatro de Estarreja pelas 21h30, sendo a entrada gratuita e contando-se com a presença da realizadora e Camilo Mortágua, o salreense que participou no assalto em 1961.


PALAVRAS DE HENRIQUE GALVÃO

«Os que embarcaram em La Guaira como passageiros de segunda classe ou turistas, são: Camilo Tavares Mortágua, português, de vinte e sete anos, organizador desportivo e locutor de rádio; [...]»

Henrique Galvão, «O assalto ao “Santa Maria”», Colecção Compasso do Tempo, Águeda, 1974, p. 170

«De facto, apesar de sermos apenas 24, também a nossa unidade era mais aparente do que real e havia sido mais circunstancial do que consciente. As circunstâncias dramáticas e insuportáveis em que havia sido preparada a operação, nem sequer nos tinham permitido fazer uma selecção razoável do pessoal operacional. Eram, de todos os pontos de vista, excelentes ou francamente bons, homens como Sotomayor, Oliveira Frias, Camilo Tavares, Luís Fernandes, Pestana Barros, Graciano Esparrinha, Mota Oliveira – e medíocres, maus ou péssimos, os restantes...»

Henrique Galvão, «Da minha luta contra o Salazarismo e o Comunismo em Portugal», 1976 (1.ª ed. Em Portugal, reproduzindo a ed. Brasileira de 1965, p. 25. Artigo original publicado dois anos depois do assalto, em Abril de 1963, com o título “O caso do «Santa Maria»: 2 anos depois”.


In "O Jornal de Estarreja", n.º 4325, 6.1.2006, p. 10
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